Arquivos de assuntos culturais divulgados como matéria de memória
da Universidade Planetária do Futuro - UNIFUTURO
Psicanálise e cinema.Ponto de Vista, Amanda Célio Repórter, 2013
O cinema, que é arte em movimento, coloca o espectador num estado limítrofe entre a vigília e o sono, ou seja, num estado semelhante ao “sonhar acordado”.
O cinema, que é arte em movimento, coloca o espectador num estado limítrofe entre a vigília e o sono, ou seja, num estado semelhante ao “sonhar acordado”.
O cinema estabelece com o espectador um diálogo mudo – e o estado ideal de se assistir a um filme é deixar-se levar por meio da voz, da sonoridade, para além do audível, ou seja, o ouvido não deve contentar-se com o que ouve. As artes, em geral, permitem-nos apreender o real.
Por isso, Sigmund Freud (1856-1939), o pai da Psicanálise, dialogou com poetas e escritores e pôde falar, a partir do poeta e dramaturgo William Shakespeare (1564-1616), da angústia, da ambivalência e do narcisismo humanos. O cinema, como arte moderna, estrutura-se como linguagem, tal como o inconsciente, na fala do psicanalista francês, Jacques Lacan (1901-1981).
A linguagem é criação. E o sujeito do inconsciente cria, na medida em que permite que as palavras nasçam, morram e renasçam em seu interior. Daí a importância da escuta no cinema, escuta que deve ultrapassar a voz da sonoridade acústica registrada na tela, uma escuta que pretende liberar a voz que ecoa além da imagem. Jean-Louis Baudry (1983), representante do cinema ideológico, levanta a hipótese de que a projeção cinematográfica compara-se à projeção no sonho e na alucinação.
Para Baudry, existe uma experiência de identificação entre o eu do espectador e a câmera: o espectador se identifica menos com o representado, o espetáculo, do que com aquilo que não é visível, mas evocado, uma vez que o percebido é sempre a sombra de um objeto ausente. A imagem cinematográfica tem sobre o espectador um efeito de choque. Ela o interpela. Pode dar prazer, mostrar o hediondo, ou qualquer outra coisa que a enunciação impessoal do cinema faça emergir.
Salvador Dalí (1904-1989), representante francês do movimento surrealista, interessou-se pelo funcionamento do inconsciente, especialmente pela fantasia e pela potencialidade dos desejos e sonhos na criação artística. O surrealismo busca atingir a liberdade do espírito pela conquista do irracional. Dinara Machado Guimarães (2004), refletindo sobre a interface Psicanálise e Cinema, pelo viés da voz, da sonoridade, coloca à nossa reflexão uma dupla questão: como apresentar o silêncio sem representá-lo? Como dar a ouvir o que escapa aos ouvidos? Para a referida autora, a voz continua, com sua função evanescente, a ultrapassar os limites, as fronteiras.
Tal voz, afirma ela, não é simplesmente a da audição do ouvido, mas a que se refere aos atos de escuta. A voz é deslocada do ouvido, como a voz do mudo, que não tem fala, mas tem voz. É a voz do que se escuta, não só do que se ouve. É a voz do que vai passando pelo olhar, voz que é um “dizer”, mais do que um dito. Não importa o que fica dito, mas o que não cessa de não se dizer. Disso sabem bem os ficcionistas: haja vista o que escreveu Caio Fernando Abreu (Para uma Avenca Partindo): “Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? (…) Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer. Olha, antes de você ir embora eu quero te dizer que…”.
Psicóloga Shyrley Pimenta
ivsant@terra.com.br
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