A Universidade Planetária do Futuro tem grande satisfação em divulgar artigo sobre o primeiro médico indígena da UnB-Universidade de Brasília.
O primeiro médico indígena da UnB
Ariadne Sakkis
A colação de grau da 85ª turma de medicina da Universidade de Brasília (UnB) teve um toque especial. Na última sexta-feira, quando chamaram o nome de Josinaldo da Silva no auditório do Quartel General do Exército, na verdade, convocaram o primeiro índio a concluir o curso na UnB. O pernambucano, de 35 anos, integrante da tribo Atikum, recebeu o diploma das mãos de um pajé. Na cabeça do formando, um cocar de penas de gavião, adorno tradicional indígena que apropriadamente substituiu o capelo da beca. Naquele momento, Josinaldo encerrou um ciclo. Ninguém mais poderia dizer que ele, um rapaz pobre, nascido em um sertão castigado e esquecido pelo Estado, sonhava alto demais.
Foi preciso percorrer muito mais do que os 1.842 quilômetros entre a aldeia de Salgueiro, em Pernambuco, até Brasília para que Josinaldo chegasse à UnB. Primeiro, ele precisou vencer a fome. O futuro médico e os três irmãos perderam a conta de quantas vezes passaram o dia alimentados com um pouco de farinha engrossada com água para tapear o estômago. A mãe, dona Luzia, ficava semanas fora, colhendo algodão. Como muitas outras crianças da região, Josinaldo conheceu a lida no campo logo cedo. Tinha 8 anos quando se juntou à mãe na colheita.
A única escola que atendia a aldeia só alcançava a 4ª série do ensino fundamental. Josinaldo nunca repetiu. Se ele fez a última etapa disponível no colégio mais de uma vez, foi por falta de opção. "Virei um especialista em 4ª série. Não tinha outra escola, e eu queria estudar. Não importava o quê", conta. Demorou muito até outra instituição, com níveis mais avançados, chegar à região. Quando isso aconteceu, Josinaldo percorria 12 km para ir e voltar das aulas. Como era muito bom em matemática, dava aulas aos colegas mais novos quando não havia professores.
Josinaldo nunca encarou com naturalidade a dureza da vida no sertão. A falta de água, o acesso limitado, quase nulo, à saúde e à educação, e a pobreza endêmica dos conterrâneos deixaram uma marca nele. "Esse sofrimento sempre me tocou. É uma região muito sofrida e eu queria ajudar", diz. Em 2001, aos 22 anos, o rapaz se tornou agente de saúde. Mais ou menos nessa época, surgiu o desejo de ser médico. "As pessoas me diziam: "Você está pensando alto demais"", relembra. O irmão mais velho, Orlando, resume a sensação: "A gente vem de um lugar onde as pessoas não têm sonhos".
Medicina não existia no Centro de Ensino Superior do Vale São Francisco. Josinaldo se inscreveu, então, para matemática. O curso seguia para o sexto semestre quando ele descobriu, em 2006, que aUnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai) haviam fechado um convênio para facilitar o ingresso de índios na universidade como parte do sistema de cotas criado pela instituição.
O pernambucano fez a prova do vestibular para medicina em Recife. Não sabia que 400 pessoas disputavam duas vagas. Pouco confiante com o desempenho, ele jurou que não tinha passado. Na primeira ligação que recebeu da Funai, achou que fosse trote. Quando a UnB e um jornal pernambucano ligaram para dizer a mesma coisa, Josinaldo finalmente acreditou.
O rapaz ficou entre um concurso e um sonho. "Eu poderia ter a estabilidade de um professor em Pernambuco ou largar tudo e vir para Brasília. Mas vi a oportunidade de realizar um sonho", afirma. Com R$ 900 de bolsa, ele e outros 12 índios de todo o país desembarcaram em Brasília sem a menor noção do que a capital brasileira reservava a eles. "Era a mesma coisa que dar R$ 5 mil a uma pessoa da cidade e jogá-la na floresta. Ela não conseguiria fazer nada", diverte-se. "Até o dia em que conhecemos a dona Socorro, uma pessoa muito boa, que nos aceitou na casa dela. Foi muito difícil romper o vínculo com a nossa comunidade e com a vida que a gente conhecia antes", relembra.
Na UnB, Josinaldo teria de passar por outras provações. "Medicina é um curso de elite. Foi custoso me sentir à vontade. Encontrei preconceito, primeiro, por ser pobre; depois, por ser índio; e depois, por ser nordestino. No início, eu era sempre o cara que sobrava na hora de fazer trabalho em grupo", conta. O semestre inicial foi o mais difícil. O pernambucano reprovou em duas matérias, mas viu as dificuldades acadêmicas e sociais como um desafio. "Aquilo me incentivou a me superar."
E assim foi feito. Ele diz que, aos poucos, conseguiu o respeito dos colegas. Não era o melhor da turma, tampouco o pior. Fez amigos e entendeu a lógica de uma cidade grande. Aprovado nas provas finais, ele estaria no mesmo palco que os colegas na formatura da mais recente turma de medicina da UnB. Dona Luzia Silva, 68 anos, nem acreditou quando viu o filho formado. O rosto marcado por uma história tão difícil pendulava entre o sorriso e o choro de emoção. "Vê, minha filha, se eu ia imaginar que aquele menino criado no mato ia virar doutor? É muita felicidade", deixa escapar, se emocionando mais uma vez.
A ideia de Josinaldo, agora, é fazer a residência em saúde da família em alguma unidade pública do DF. O doutor Josinaldo vai combinar a sabedoria da medicina indígena tradicional aos conhecimentos obtidos na universidade. Depois disso, ele quer mesmo é voltar ao sertão. Diz que precisa cumprir uma promessa. "Eu vou tentar ajudar o meu povo. Se eu cheguei até aqui, tem mérito meu, mas muito mérito deles", agradece.
Perfil
A reserva Atikum ocupa uma área de 15.276 hectares, na Serra do Umã, na cidade de Carnaubeira da Penha (PE). Na aldeia, vivem cerca de 3,5 mil índios. Tem a agricultura como principal atividade. Dos traços culturais que sobreviveram até a atualidade está o toré, dança ritual de purificação da alma.
Eu vou tentar ajudar o meu povo. Se eu cheguei até aqui, tem mérito meu, mas muito mérito deles" Josinaldo da Silva.
Com as honras de mestres Em 9 de janeiro de 2013, o Correio publicou reportagem sobre o primeiro grupo de 13 indígenas que
concluiu mestrado na Universidade de Brasília (UnB).
Eles concluíram o curso em sustentabilidade junto de povos e terras indígenas. Criado em 2010 pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, a seleção para integrar o grupo de novos mestres foi a mais concorrida da pós-graduação nos últimos tempos: cerca de 170 candidatos disputaram 26 vagas: 13 para índios e outras 13 para não índios que trabalham no setor. Cinco estudantes defenderam a dissertação em dezembro, e o segundo ciclo de apresentações seria concluído no fim de janeiro.
Congratulações ao Dr. Josinaldo da Silva, por sua formatura em medicina, para o engrandecimento de sua nação indígena! Que sua missão esteja comprometida com a saúde do seu povo!
A Universidade Planetária do Futuro registra sua saudação ao indígena brasileiro que conquistou graduação na área da ciência.
Brasil, 30 de abril de 2013
Universidade Planetária do Futuro - Ano IV
Centro de Ciências Humanas
Direção: Profa. Dra. Maria de Fátima Félix Rosar
Josinaldo da Silva enfrentou inúmeras adversidades, como o passado humilde e a fome, para se graduar em um dos cursos mais nobres da instituição.
A colação de grau da 85ª turma de medicina da Universidade de Brasília (UnB) teve um toque especial. Na última sexta-feira, quando chamaram o nome de Josinaldo da Silva no auditório do Quartel General do Exército, na verdade, convocaram o primeiro índio a concluir o curso na UnB. O pernambucano, de 35 anos, integrante da tribo Atikum, recebeu o diploma das mãos de um pajé. Na cabeça do formando, um cocar de penas de gavião, adorno tradicional indígena que apropriadamente substituiu o capelo da beca. Naquele momento, Josinaldo encerrou um ciclo. Ninguém mais poderia dizer que ele, um rapaz pobre, nascido em um sertão castigado e esquecido pelo Estado, sonhava alto demais.
Foi preciso percorrer muito mais do que os 1.842 quilômetros entre a aldeia de Salgueiro, em Pernambuco, até Brasília para que Josinaldo chegasse à UnB. Primeiro, ele precisou vencer a fome. O futuro médico e os três irmãos perderam a conta de quantas vezes passaram o dia alimentados com um pouco de farinha engrossada com água para tapear o estômago. A mãe, dona Luzia, ficava semanas fora, colhendo algodão. Como muitas outras crianças da região, Josinaldo conheceu a lida no campo logo cedo. Tinha 8 anos quando se juntou à mãe na colheita.
A única escola que atendia a aldeia só alcançava a 4ª série do ensino fundamental. Josinaldo nunca repetiu. Se ele fez a última etapa disponível no colégio mais de uma vez, foi por falta de opção. "Virei um especialista em 4ª série. Não tinha outra escola, e eu queria estudar. Não importava o quê", conta. Demorou muito até outra instituição, com níveis mais avançados, chegar à região. Quando isso aconteceu, Josinaldo percorria 12 km para ir e voltar das aulas. Como era muito bom em matemática, dava aulas aos colegas mais novos quando não havia professores.
Josinaldo nunca encarou com naturalidade a dureza da vida no sertão. A falta de água, o acesso limitado, quase nulo, à saúde e à educação, e a pobreza endêmica dos conterrâneos deixaram uma marca nele. "Esse sofrimento sempre me tocou. É uma região muito sofrida e eu queria ajudar", diz. Em 2001, aos 22 anos, o rapaz se tornou agente de saúde. Mais ou menos nessa época, surgiu o desejo de ser médico. "As pessoas me diziam: "Você está pensando alto demais"", relembra. O irmão mais velho, Orlando, resume a sensação: "A gente vem de um lugar onde as pessoas não têm sonhos".
Medicina não existia no Centro de Ensino Superior do Vale São Francisco. Josinaldo se inscreveu, então, para matemática. O curso seguia para o sexto semestre quando ele descobriu, em 2006, que aUnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai) haviam fechado um convênio para facilitar o ingresso de índios na universidade como parte do sistema de cotas criado pela instituição.
O pernambucano fez a prova do vestibular para medicina em Recife. Não sabia que 400 pessoas disputavam duas vagas. Pouco confiante com o desempenho, ele jurou que não tinha passado. Na primeira ligação que recebeu da Funai, achou que fosse trote. Quando a UnB e um jornal pernambucano ligaram para dizer a mesma coisa, Josinaldo finalmente acreditou.
O rapaz ficou entre um concurso e um sonho. "Eu poderia ter a estabilidade de um professor em Pernambuco ou largar tudo e vir para Brasília. Mas vi a oportunidade de realizar um sonho", afirma. Com R$ 900 de bolsa, ele e outros 12 índios de todo o país desembarcaram em Brasília sem a menor noção do que a capital brasileira reservava a eles. "Era a mesma coisa que dar R$ 5 mil a uma pessoa da cidade e jogá-la na floresta. Ela não conseguiria fazer nada", diverte-se. "Até o dia em que conhecemos a dona Socorro, uma pessoa muito boa, que nos aceitou na casa dela. Foi muito difícil romper o vínculo com a nossa comunidade e com a vida que a gente conhecia antes", relembra.
Residência
Na UnB, Josinaldo teria de passar por outras provações. "Medicina é um curso de elite. Foi custoso me sentir à vontade. Encontrei preconceito, primeiro, por ser pobre; depois, por ser índio; e depois, por ser nordestino. No início, eu era sempre o cara que sobrava na hora de fazer trabalho em grupo", conta. O semestre inicial foi o mais difícil. O pernambucano reprovou em duas matérias, mas viu as dificuldades acadêmicas e sociais como um desafio. "Aquilo me incentivou a me superar."
E assim foi feito. Ele diz que, aos poucos, conseguiu o respeito dos colegas. Não era o melhor da turma, tampouco o pior. Fez amigos e entendeu a lógica de uma cidade grande. Aprovado nas provas finais, ele estaria no mesmo palco que os colegas na formatura da mais recente turma de medicina da UnB. Dona Luzia Silva, 68 anos, nem acreditou quando viu o filho formado. O rosto marcado por uma história tão difícil pendulava entre o sorriso e o choro de emoção. "Vê, minha filha, se eu ia imaginar que aquele menino criado no mato ia virar doutor? É muita felicidade", deixa escapar, se emocionando mais uma vez.
A ideia de Josinaldo, agora, é fazer a residência em saúde da família em alguma unidade pública do DF. O doutor Josinaldo vai combinar a sabedoria da medicina indígena tradicional aos conhecimentos obtidos na universidade. Depois disso, ele quer mesmo é voltar ao sertão. Diz que precisa cumprir uma promessa. "Eu vou tentar ajudar o meu povo. Se eu cheguei até aqui, tem mérito meu, mas muito mérito deles", agradece.
Perfil
A reserva Atikum ocupa uma área de 15.276 hectares, na Serra do Umã, na cidade de Carnaubeira da Penha (PE). Na aldeia, vivem cerca de 3,5 mil índios. Tem a agricultura como principal atividade. Dos traços culturais que sobreviveram até a atualidade está o toré, dança ritual de purificação da alma.
Eu vou tentar ajudar o meu povo. Se eu cheguei até aqui, tem mérito meu, mas muito mérito deles" Josinaldo da Silva.
Com as honras de mestres Em 9 de janeiro de 2013, o Correio publicou reportagem sobre o primeiro grupo de 13 indígenas que
concluiu mestrado na Universidade de Brasília (UnB).
Eles concluíram o curso em sustentabilidade junto de povos e terras indígenas. Criado em 2010 pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, a seleção para integrar o grupo de novos mestres foi a mais concorrida da pós-graduação nos últimos tempos: cerca de 170 candidatos disputaram 26 vagas: 13 para índios e outras 13 para não índios que trabalham no setor. Cinco estudantes defenderam a dissertação em dezembro, e o segundo ciclo de apresentações seria concluído no fim de janeiro.
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A Universidade Planetária do Futuro registra sua saudação ao indígena brasileiro que conquistou graduação na área da ciência.
Brasil, 30 de abril de 2013
Universidade Planetária do Futuro - Ano IV
Centro de Ciências Humanas
Direção: Profa. Dra. Maria de Fátima Félix Rosar
Depto. de Divulgação Cultural e Científico
Coordenação: Ana Felix Garjan
www.artforumunifuturobrasil.org
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